B.
C. LABATE e W. S. ARAÚJO (orgs.), O uso ritual da ayahuasca.
Campinas/São Paulo, Mercado de Letras/Fapesp, 2002. [AN1]
Ayahuasca: expansão de usos rituais e de formas de apreensão
científica
Edmundo Pereira
Um fato que fica evidente aAo terminarmos a
leitura de O uso ritual da ayahuasca é o da
ficam evidentes a diversidade e a complexidade do
fenômeno, tanto do que diz respeito à variabilidade de usos rituais e contextos
sócio-históricos a que somos apresentados, quanto como aos modos de
apreensão, descrição e análise desses usos feito pela ciência – no
caso, em particular a antropologia, a
medicina, a psicologia e a farmacologia. Neste Nesse sentido, a
publicação cumpre aquilo a que se propôsalcança seus objetivos:
apresenta um rico panorama do “estado da arte” das pesquisas
desenvolvidas sobre o tema ao longo dos 25 artigos que compõem o volume,
contribuindo para um melhor entendimento do fenômeno a partir das lógicas
locais, da relevância e da significação que tem têm para aqueles
os que
estão envolvidos
em seus usos rituais. Inicialmente pensada pensado para
reunir as conferências apresentadas no “I Congresso sobre Uso Ritual da
Ayahuasca” (Campinas, 1997),
e depois acrescida acrescido de textos de pesquisadores que não
participaram do evento mas que tem têm trabalhos consolidados nesse campo na essa área de estudos,
a
publicação o livro é uma excelente entrada nesse campo de estudos que abarca o
trabalho de gerações de pesquisadoresda antropologia que, no Brasil, tendo m sse desenvolvido ao
campo que abarca já o esforço de algumas gerações de pesquisadores, no
Brasil tendo especialmente se desenvolvido na ndesde a última década.
Assim como em outras muitas áreas de pesquisas
em torno de Como muitos dos temas amazônicos e suas agendas de
trabalho, o estudo do uso da ayahuasca desenvolveu-se sobretudo iniciou-se a
partir dos anos de 1970. Entre os nomes mais
antigos atribuídos à bebida feita da infusão do cipó Banisteriopsis caapi – no Brasil chamado de “jagube” – com a folha
do arbusto Psychotria viridis –
conhecido como “rainha” –, está o de ayahuasca. O termo é traduzido
do quíchua como “cipó dos mortos” ou “cipó dos espíritos”, o que nos remete a
uma de suas significações, a de ser instrumento de reencontro com os
antepassados.Trata-se
de uma bebida feita da infusão de um o cipó
(Banisteriopsis
caapi), ) – no
Brasil conhecido como chamado de “jagube”, ” – com
a folha de um do arbusto
(Psychotria
viridis) –
conhecido como “rainha”, ” –, Tornou-se a denominação de uso corrente
tanto entre aqueles que participam de seus rituais, como no âmbito dos estudos científicos. No Brasil, outro termo muitíssimo utilizado para
referir-se a bebida é o de “daime”. Seu consumo, tanto entre índios, como entre não-índios, realiza-se infusão
consumida no interior de práticas práticas dentro
de certas ritualísticas específicas, práticas e significações
e de que corroboram envolvem certos
princípios ético-morais norteadores norteadores,
desenvolve-se especialmente a partir dos anos 1970. Entre
os nomes mais antigos atribuídos à bebida, o termo está o
de ayahuasca, termo
que se tornou-se de uso
corrente,
tanto entre os envolvidos aqueles que em seu
uso participam
dos ritualrituais,
quanto como no
âmbito dos estudos científicos. O termo é traduzido do É
traduzível do quíchua como “cipó dos mortos”, ” ou “cipó
dos espíritos”, tradução o que
nos
remete de imediato a
uma de suas significações, qual seja, a
de ser instrumento de reencontro com os antepassados.
A organização do livro em três partes reflete (“Ayahuasca entre os povos da
floresta”, “As religiões ayahuasqueiras brasileiras” e “Os estudos
farmacológicos, médicos e psicológicos da Ayahuasca) ilustra abrange tanto a expansão do uso
indígena da
bebida para
o curandeirismo caboclo, daí à formação das religiões daimistas brasileiras,
chegando aos círculos internacionais da Nova
Era,
como tanto não só a demarche démarche epistemológica de
formação desse campo de estudos.; quanto , mas também a expansão do uso
indígena para o curandeirismo caboclo, até e, ainda, a
formação das religiões daimistas brasileiras, chegando aos círculos
internacionais da Nova
Era. Além disso, acompanhamos também aos
desenvolvimentos dos estudos farmacológicos sobre seus os princípios
ativos da ayahuasca
e suas especificidades de suas
ações, tomados enquanto como uma experiência somatológica e cultural.
Após os textos introdutórios do antropólogo Mauro Almeida e dos organizadores
do volume – textos , que tanto resumem seu conteúdo,
quanto apontam para questões e constatações gerais de ordem
analítica e empírica -, temos a primeira parte do livro, dedicada à:
intitulada
“Ayahuasca entre os povos da floresta”.
Dentro da categoria “povos da floresta” (que mereceria uma nota
explicitando o
porquê de sua escolha), somos apresentados ao seu uso ritual da ayahuasca entre grupos
indígenas, caboclos peruanos e colombianos, e seringueiros brasileiros. O
primeiro dos 7 sete artigos que compõem esta essa parte, do antropólogo
Pedro Luz, apresenta um mapeamento bibliográfico da literatura dos sobre os grupos
indígenas Pano, Aruák e Tukano, dedicada especialmente ao uso da Banisteriopsis. Uma constatação
etnográfica importante enfatizada por Luz (p. 63) é a de que o uso ritual da
ayahuasca em contexto indígena é apresenta-se como um
dos fatores fundamentais que contribuem para a coesão
dos grupos, epicentro de seus dos sistemas de crenças, de das relação relações com o cosmos e com os
antepassados, com os e de processos
terapêuticos de cura corporal e espiritual. O autor expõe Em seu trabalho somos também
apresentados
ao o instrumental
analítico desenvolvido para apreender o fenômeno, especialmente sobretudo a
literatura dedicada ao “xamanismo”.
No artigo de Jean
Langdon, dentro No artigo de Jean
Langdon, dentro de uma proposta de abordagem “transdiciplinar” – que, aliás, marca o volume de um
modo geral - , uma bela narrativa Siona introduz o leitor à ritualística e aos
processos de transmissão de conhecimento envolvidos no consumo da ayahuasca
entre o grupoSob uma perspectiva de uma proposta de abordagem “transdiciplinar” – que, aliás, marca o volume de um
modo geral – , o artigo de Jean Langdon é introduzido por uma bela narrativa Siona, que serve de entrada a à ritualística e aos
processos de transmissão de conhecimento envolvidos no consumo da ayahuasca
entre o grupo. Um ensinamento chave em Langdon
enfatiza é o de que mostra que a experiência, além de ser uma
construção subjetiva e neurofisiológica, é “permeada de orientações culturais”
(p. 68), . Quer
dizer: ou
seja, “a experiência faz parte da comunidade como um todo, e não só do
xamã” (p. 69). O mesmo se aplica a à “práxis alucinógena” (p. 95) kaxinawá
apresentada por Barbara Keifenhem especialmente através sobretudo por meio das
noções nativas de ver e visualizar, ao final apontadas como
sendo “holísticas”, englobando o cotidiano e o extraordinário, o sonho e a
realidade. Aqui, como em Langdon, o contexto cultural é enfocado dentro da
complexidade da experiência com a ayahuasca, contexto que promove a
padronização de certos estoques imagéticos compartilhados pelo grupo. A
dimensão musical do fenômeno, aludida em vários artigos do volume, é também enfatizada - o que também ocorre ao longo de vários
artigos do volume - como sendo fundamental
para a condução e a
salvaguardo
salvaguarda do ritual, como
expresso no mo se pode observar no . Conforme expresso em trecho do canto kaxinawá apresentado por Keifenhem: “E
no caminho sonoro nós todos sairemos da embriaguez do nixi pae” (p. 103).
Vale ressaltar que aUm ponto que nos parece
importante,e que acompanharemos ao longo do livro, é o da formação de Ao longo do volume somos apresentados
não só à várias
realidades
etnográficas,
mas também à formação de metodologiass
de trabalho,
que, no presente volume, enveredou para (que
chegariam às experiências interdisciplinares, como é o
caso do presente volume) e a criação de instrumentos
heurísticos para apreender e apresentar cientificamente estas realidades,o
fenômeno dado subjacente ao modo como somos introduzidos aos diversos usos rituais da ayahuasca. De todo modo, é
possível devem ser discutidos, na
medida em que situar e posicionar autores e
propostas de abordagem, de modo a trazer melhor o tipo de abordagem utilizada é crucial . Este
ponto é relevante para a compreensão
da s discussões análises e dos dados apresentados ao longo do encadeamento do volumedos artigos textos. , uma vez
que NAs noções
que respondem a realidades etnográficas e analíticas específicas, como, por
exemplo, a de “vôo xamânico” (videver, por exemplo, a etnografia Siona e Kaxinawá apresentadas por Langdon e a Kaxinawá
apresentada por Keifenheim, respectivamente), passaram a serpassariam a
ser são instrumentos heurísticas heurísticos potentes e de uso
corrente, por vezes abusivo, não só para a descrição, a interpretação e a análise dos
casos indígenas, mas também para instrumentalizando instrumentalizar o estudo dos usos que
a ayahuasca substância adquiriu
nos últimos séculos (enquanto como curandeirismo caboclo e doutrina
religiosa), ainda que não refletindo as categorias nativas de uso corrente.
O artigo do médico Germán Zuluaga tem marca seu lugar na
proposta da edição de compor um quadro polifônico, por vezes conflitivo, das
vertentes e dos atores
envolvidos – entre “nativos” e “pesquisadores” – neste nesse campo de estudos e de práticas. Incorrendo em A falta de rigor
etnográfico ao longo de torna sSua argumentação,
a validade de sua articulação acaba tornando-se acaba tornando-se frouxa e pouco precisa tomada ante a veemência
de seus fins: seu principal argumento, qual seja, o de qual seja, desqualificar
toda e qualquer prática envolvida no consumo do chá (seja ritual ou , seja científica) ,
exceto as exercidas pelas populações indígenas. Contrapondo-se ao uso não-indígena, ao que chama de “levianas formas de
uso e interpretação sobre seus efeitos”, “apropriação por parte do homem branco, de uma
sabedoria e um bem indígena” (p. 135), oPor vezes, o autor chega a conceber o consumo da ayahuasca no meio indígena é apresentado como sendo , por
vezes, aliás, traçadas em um quadro geral em que são concebidas qual fossem reminiscências
de uma ciência original, denominada de como o “saber
xamânico” (p. 139). A esse texto Seguesegue-se , então, o
trabalho de outro médico, Jacques Mabit, que buscando entender compreender o
fenômeno sobretudo a partir especialmente
dentro de suas possíveis propriedades
“etnomédicas” (p. 148). Evocando o “conhecimento ancestral dos mestres
curandeiros da Amazônia peruana” (p. 145) de forma positiva, seus esforços
concentram-se em apontar empiricamente a validade dessa prática dentro do que
chama de “tradições de cura”: de , ou seja, “sistemas
de representação mental nas práticas de cura” (p. 147). Junto Junt a Além de uma boa etnografia
sobre o preparo, o consumo,
a significação
e o efeito
fisiológico da bebida, Mabit apresenta também suas
experiências como terapeuta no Projeto Takiwasi, no Peru, especialmente no no que se refere ao tratamento
de toxicomanias.
No trabalho de Luis Eduardo Luna, ainda Ainda no contexto do
“xamanismo ribeirinho” (p. 179), Luis Eduardo Luna apresenta-nos o somos apresentados mais
etnograficamente ao universo dos curanderos, ou, como enfatiza Luna o autor(p. 181),
dos “vegetalistas ribeirinhos” da
bacia do Alto Amazonas (p. 181).
Segundo esta essa “tradição”, enfatiza, “sob
certas condições algumas plantas ou “‘vegetais’”, , possuidoras de sábios
espíritos, teriam a faculdade de “‘ensinar’” às pessoas que os procuram” (p.181).
Sua origem está ligada ao encontro entre índios e não-índios ao longo dos
últimos três séculos.
A dimensão do “segredo” entre seringueiros brasileiros, enfatizam,
por fim, a antropóloga Mariana Franco e o seringueiro Osmíldo Conceição (p.
200), marca um fenômeno da mesma ordem do curandeirismo peruano e colombiano, no caso entre
seringueiros brasileiros. No artigo que fecha a primeira parte do
volume, somos apresentados ao uso da ayahuasca especialmente no
Vale do rio Juruá, no
Acre. Muito interessante em boa parte das realidades a que somos
apresentados ao longo da obra, é o fato de - através de metodologias em
micro-história, na elaboração de histórias de vida - podermos
acompanhar no
decorrer do livro, por meio de metodologias em micro-história, parte da
sociogênese de fenômenos por vezes datados de não mais de um século, onde em que pesam as
relações diádicas, as relações familiares e comunitárias, – a “lealdade das amizades” (p. 208) – nos caminhos de
constituição e institucionalização de práticas rituais associadas ao consumo da
ayahuasca. Durante
o período de atuação das empresas extrativistas da borracha nas primeiras décadas do século XX, Oo
“aprendizado da ciência da cura” (p. 205) -, que
no caso brasileiro levaria levaria ou a
“expansão do uso da ayahuasca” (p. 213) à formação de religiões caboclas ,
tema da segunda parte do volume-, acontecia em acontecia no âmbito do permanecia como um segredo por conta , da
descrição, especialmente por conta em virtude da
perseguição dos patrões seringalistas, para os quais decorria de tais práticas
a “displicência para o trabalho” (p. 208).
Nos treze artigos que compõe Na
segunda parte do volume, “As religiões ayahuasqueiras brasileiras” (terminologia que também merecia
uma nota explicitando
o porquê de sua escolha), composta de treze artigos, somos
apresentados ao fascinante mundo das chamadas “religiões ayahuasqueiras brasileiras”
(p. 229) dessas religiões em sua formação
sócio-histórica: o Alto Santo (1930), o Centro Eclético da Fluente Luz
Universal Raimundo Irineu Serra (1970), a Barquinha (1945) e a União do Vegetal (1960). Fascinante porque,
ainda que recentes historicamente (todas
as religiões
ligadas ao consumo da Banisteriopsis surgiram no século XX), compõe um quadro rico e complexo de práticas, significações e princípios ético-morais da maior
relevância em seus contextos locais.Fascinante
porque, ainda que recente historicamente recente (todas
as religiões ligadas ao consumo da Banisteriopsis tendo aparecido surgiram no
século XX), a riqueza e a complexidade
dos universos práticos, simbólicos e ético-morais a que somos
apresentados é imensa e da maior relevância são muito relevantes
nos
contextos das
realidades locais nos quais estão inseridos.
O primeiro trabalho, da antropóloga Beatriz Labate, apresenta faz um exaustivo
levantamento da “literatura brasileira sobre as religiões ayahuasqueiras” (p. 229) em dois
eixos: trabalhos acadêmicos (sobretudo antropológicos especialmente)
e não-acadêmicos. Nesta parte do volume, marcamos que os Os modos de descrição e de interpretação
dos usos rituais associados à ayahuasca passam a abranger amplia-se, passando-se a
fazer uso tanto da a literatura sobre “xamanismo”, quanto de como os estudos
dedicados ao “catolicismo popular” , ao sincretismo religioso, ao “campesinato”, a formação de
e às “biografias” de seus dos fundadores. Associam-se, nesse
momento da
análise, para
associar as trajetórias pessoais com as estruturas
rituais e ético-morais, o que amplia o campo de visão. Enfim, não
só o fenômeno, mas também as formas de apreendê-lo tornam-se mais complexascomplexificaram-se.
No artigo sobre o Alto Santo – núcleo daimista mais
antigo, fundado em 1930 –, da antropóloga Arneide Bandeira Cemin, temos a
máxima de Mauss seguida com precisão: “detalhes são essenciais”. A autora
apresenta uma minuciosa etnografia, desde os níveis técnicos e hierárquicos
envolvidos no preparo da bebida e o ideário a este associado, até a organização
da liturgia daimista, seus instrumentos e princípios ético-morais norteadores.
Fazendo uso original da idéia maussiana de que por meio de técnicas corporais se produz-se a “vida simbólica do espírito” (p.
279), o leitor é apresentado a inúmeras toma conhecimento de
muitas dessas “técnicas religiosas” (p. 278) como: o , por exemplo, o fardamento, a concentração, e o bailado.
A antropóloga Sandra Goulart contextualiza de modo
revelador, antropóloga, nos trás uma reveladora contextualização
da a “emergência do Santo Daime” (p. 314).
O surgimento de “religiões ayahuasqueiras” no último século no Brasil deve-se
especialmente a alguns personagens. O artigo de Goulart nos apresenta a um
desses personagens, analisa uma figura emblemática da cultura
religiosa acreana, nascido na baixada maranhense, neste caso
ao o ex-seringueiro,
“afamado curador”, e depois “Mestre”, Raimundo Irineu Serra, nascido na
baixada maranhense, figura emblemática da
cultura religiosa acreana. Aproximando-se do universo
daimista do Alto Santo através por meio dos de estudos
dedicados a à “antiga sociedade rural brasileira” (p.
315), Goulart
a
autora discute
realça
o modo como a maneira pela qual o
“mutirão”, as “festas religiosas” e o “compadrio” são elementos que organizam
os “bairros amazônicos” (p. 315). Estes elementos também atuariam na formação
das religiões
ayahuasqueiras. No processo migratório da floresta para as
recém-periferias urbanas de Rio Branco,
em em um
destes vindo desses bairros viria eio a se
constituir, no processo migratório da floresta para as
recém periferias urbanas de Rio Branco, o Alto Santo, primeiro núcleo
religioso organizado em torno do consumo da ayahuasca.
No artigo do antropólogo JáN o caso do antropólogo Fernando de La Rocque Couto, usa
a noção de “xamanismo” é usada como uma ferramenta analítica
adaptada ao contexto daimista. Couto propõe entender o Santo Daime como
expressão de um Trata-se ,
somos apresentados ao fenômeno das religiões ayahuasqueras tendo a
noção de “xamanismo” como ferramenta analítica adaptada ao contexto daimista, sendo
pensada como da ordem de um
“xamanismo coletivo”: ”, uma vez que ou seja, “embora
existam os comandantes do trabalho, a atividade xamânica não é exclusividade
apenas de alguns iniciados” (p. 358). Sua leitura enfatiza especialmente
a dimensão da “ordem” para qualificar o ritual, sublinhando, por
exemplo, sua “organização militar” (p. 349).. Neste Nesse sentido,
seu corpo doutrinário cumpriria uma “função estruturante” (p. 362).
[AN2]
O ensaio do
antropólogo Clodomiro Monteiro Silva, antropólogo, elenca analisa o fenômeno da “miração” –
“categoria central do uso ritual da ayahuasca
no modelo do no culto do Santo Daime” (p. 367) –,
como o elemento
que liga une “culturas indígenas americanas” e “religiões
afro-brasileiras”, relacionado-a o com o ao fenômeno da
“incorporação”, ou “irradiação”. Sua proposta é a de
situar o culto do Santo Daime (pensado
no caso como constituído em Sistemas de Juramidam, o do
– Alto Santo, – e Sistemas de Daniel Pereira de Matos, o da
– Barquinha) entre os cultos afro-amazônicos (p. 369). O autor Enfatiza
enfatiza
que o estudo de caso do desse culto remete a duas “tradições” (p. 368), a indígena
e a afro-brasileira, sendo
esta que esta a última
sendo
é
fruto das migrações maranhenses para a região durante o
ciclo da borracha, na virada dos séculos XIX para o século XX. Ainda que sua tradução
para o termo “daime” a partir do fon pareça etnograficamente insustentável, seu enquadramento do
culto do Neste Nesse contexto, segundo Silva, o Santo Daime poderia pode ser enquadrado no “horizonte dos cultos afro-amazônicos” (p.371) traz rendimento e se justifica, realçando o fato, no caso,
decorrente especialmente do diálogo entre a religião amazônica e o com o culto afro-brasileiro maranhense do Tambor de Mina.
Walter Dias Jr., cientista social, escreve em com um tom bem bastante pessoal, seguindo
aquilo a que se propõe: conciliar
objetividade e subjetividade. Aalém de apresentar um realizar uma boa etnografia do processo de preparo
da infusão, é mais um dos autores que propõe uma aproximação
“bio-psico-antropo-social” (p. 415) de seu uso para analisar o uso ritual da ayahuasca. Sua proposta desenvolve-se , não só no sentido de promover umauma “transdisciplinaridade” entre ciências, mas também de
buscar em como uma forma de se
aproximação aproximar do fenômenotemaao fenômeno , “baseada no diálogo entre a objetividade e a
subjetividade” (p. 424).
Maria Cristina Pelaez, médica e antropóloga, dedica-se em a explorar as
“potencialidades terapêuticas do santo Santo daimeDaime, como agente
de ‘cura espiritual’” (p. 427), em especial sobretudo em sua
capacidade de “gerar sentimentos de transcendência
que possibilitam a cura de desequilíbrios físicos, mentais ou espirituais” (p. 428). Mais uma vez temos enfatizado que Segundo a autora, a
análise dos “complexos eventos neuroquímicos” relacionados ao uso da infusão
devem ter em mente levar em conta que
“embora agentes psicodélicos atuem nos mesmos receptores cerebrais e produzam
similares mudanças somáticas, psíquicas e perceptivo-sensoriais, eles não
determinam per se as características
da experiência” (p.
429), esta estando . Esta A experiência é mediada pelos pelosor contextos aspectos culturais em
que está inserida característicos de peculiares a cada lugar.
O
trabalho do antropólogo Edward MacRae reforça ainda mais essa premissa que
perpassa o volume de que os estudos do uso de substâncias psicoativas devem
levar em conta aspectos “biopsicossociais” (p.447), deslocando ao deslocar a ênfase
apenas
nos dos detalhes farmacológicos para também
levar em conta os de natureza psicológica e sociocultural. O autor
responde às as críticas feitas às
religiões ayahuasqueiras, no quadro geral dos usos rituais ligados a
ayahuasca, apontando o “perigo das alegações de ‘pureza’ e
‘originalidade’” (p.
452) como pressupostos de legitimação das experiências ligadas à bebida. O
autor eEnfatiza, além disso, as
dificuldades que a
análise geral dos usos rituais ligados à ayahuaca este quadro traz
a uma aproximação às religiões ayahuasqueiras, “cuja natureza sincrética e cujo
distanciamento das tradições indígenas, às vezes, causam incompreensão” (p. 453).
O antropólogo alemão Carsten Balzer trata da contemporaneidade do uso da
bebida, que atingiu, especialmente sobretudo na
última década, cidades como Berlim e Tóquio, no contexto dos “círculos da Nova
Era” (p. 462), ), e do “mercado das religiões” (p. 479). Através Por meio da
descrição de um “workshop xamânico”
(p. 471), Balzer aponta para o fato
de que de acordo com a forma com que é feita sua transposição para contexto
sócio-culturais diversos, o “ritual
legendário da Amazônia” (p.473) pode não trazer os benefícios que tem sido
apontados em seus locais originários de uso.aponta para o fato
de que de acordo com a forma com
que é feita sua transposição pela qual é transposto para
contextos socioculturais sócio-culturais
diversos, o “ritual legendário da Amazônia”
(p. 473)
pode não trazer os benefícios que tem sido apontados verificados em
seus locais originários de usode origem.
No trabalho do antropólogo Wladimyr Sena Araújo somos apresentados introduzidos à
Barquinha, ou Centro Espírita e Culto de Oração
Casa de Jesus Fonte de Luz, fundado por Daniel Pereira de Matos em 1945. Seu
objetivo é “apresentar o espaço simbólico de uma das religiões da Amazônia” (p. 497). O autor
relaciona aspectos da história de vida de Daniel com o corpo simbólico da
religião, enfatizando seu caráter plástico, sua “grande velocidade de
incorporação e retirada de elementos de práticas religiosas diversas” (p. 506), pelo que a
imagem da barca é lida qual fosse uma “nau de ressignificação” (p. 508).
Fechando esta a segunda parte do volume, temos há três artigos
dedicados à União do Vegetal (UDV). Lucia Regina Brocanelo Gentil, antropóloga,
e Henrique Salles Gentil, historiador e psicólogo, refazem a trajetória de do baiano José
Gabriel da Costa ,
baiano, que, assim como Irineu Serra e Daniel Mattos, migra migrou como
soldado da borracha para a Amazônia, nas
primeiras décadas do século XX. “Mestre Gabriel”, como ficaria
conhecido, fEste seria o fFundariador d a UDV nos anos de 1960, constituindo em seu “corpo doutrinário eclético” (p. 515) nos anos 1960, misto –
assim como no caso das demais religiões ayahuasqueiras - de cristianismo
com, cultos
africanos e indígenas e de seitas espíritas - – o que, aliás, é
característico das demais religiões ayahuasqueiras. A . A –, a partir dos anos da década de 1980, a UDV passaria a informam os autores, expandiria expandiru
suas ações para centros urbanos como
Rio de Janeiro e São Paulo.
O antropólogo Sérgio
Brissac, antropólogo, em perspectiva similar a
anterior, enfatiza a relação entre o percurso de vida de José
Gabriel e a constituição da UDV dentro de “uma ampla rede de relações com
diversas configurações culturais presentes na sociedade brasileira” (p. 525). Neste Nesse sentido,
tanto o catolicismo popular, quanto como o candomblé, e mesmo a capoeira com suas
chulas e princípios éticos, são elencados como considerados como dimensões
presentes na constituição deste desse “rito sincrético afro-indígena” (p.
532).
Finalmente, fechando a segunda parte do volume, fechando
a segunda parte do volume, o antropólogo Afrânio Patrocínio de
Andrade situa o advento da expansão de algumas das religiões ayahuasqueiras, em
especial a UDV, dentro de um contexto mais amplo, “um momento novo na história”: o “retorno ao encontro com a
religião” (p. 543).
Seguindo
a linha de diversos autores no volume, eEnfatizando o
caráter iniciático e hierárquico de religiões como a UDV, por um lado o autor reconhece suas
contribuições para um o desenvolvimento de seus membros “em termos
familiares e sociais” (p.556), mas por outro critica
susuas
facetas autoritárias e dogmáticas, salientado, oportunamente, que “a
intolerância religiosa é filha do dogmatismo ortodoxo” (p. 563).
Nos 5 cinco artigos que compõem a terceira e
última parte do volume, “Os estudos farmacológicos, médicos e psicológicos da
ayahuasca”, somos apresentados aos últimos resultados dos estudos psicológicos,
médicos e farmacológicos sobre a “única preparação botânica dependente de uma
interação sinérgica entre alcalóides ativos” (p. 578) presentes no Banisteriopsis caapi (Beta-carbolina) e
na Psycotria viridis (N-Dimetiltriptamina). É esta essa interação que
faz da infusão um potente “alucinógeno de ação rápida” (p. 578), o que, no
entanto, não tem demonstrado trazer prejuízos psicosomatológicos, ainda
que não
obstante seu uso possa ter ocorrido durante muitos anosprolongado. Uma constatação A idéia geral que percorre Uma
constante para todos os autores que assinam os artigos finais é a de quepode
ser resumida,, por fim, no fato de que o
consumo da ayahuasca se mostrou de investigação clínica “complexa
botanicamente, quimicamente e etnograficamente” (p. 581), o que pode fazer da faz
da bebida “a mais sofisticada descoberta
farmacológica jamais feita neste mundo arcaico” (p. 671), ). Tal descoberta deve
ser analisada E
analisar tal descoberta
sob
múltiplos ângulosque deve ser entendida
dentro de seus diversos aspectos, do farmacológico ao cultural, proposta que foi o fio condutor que norteiaou a maioria dos autores presentes dem O uso
ritual da ayahuascaste volumeao
final um dos pontos principais enfatizado pela maioria dos autores que compõe o
volume.
Edmundo
Pereira é antropólogo, doutorando no PPGAS – Museu Nacional/UFRJ.
Publicado
originalmente em: Revista Brasileira de Ciências Sociais,
vol
18, número 52, junho de 2003,
pp 203-207.***