B. C. LABATE e W. S. ARAÚJO (orgs.), O uso ritual da ayahuasca. Campinas/São Paulo, Mercado de Letras/Fapesp, 2002. [AN1] 

Ayahuasca: expansão de usos rituais e de formas de apreensão científica

 

Edmundo Pereira

 

Um fato que fica evidente aAo terminarmos a leitura de O uso ritual da ayahuasca é o da ficam evidentes a diversidade e a complexidade do fenômeno, tanto do que diz respeito à variabilidade de usos rituais e contextos sócio-históricos a que somos apresentados, quanto como aos modos de apreensão, descrição e análise desses usos feito pela ciência – no caso,  em particular a antropologia, a medicina, a psicologia e a farmacologia.  Neste Nesse sentido, a publicação cumpre aquilo a que se propôsalcança seus objetivos: apresenta um rico panorama do “estado da arte” das pesquisas desenvolvidas sobre o tema ao longo dos 25 artigos que compõem o volume, contribuindo para um melhor entendimento do fenômeno a partir das lógicas locais, da relevância e da significação que tem têm para aqueles os que estão envolvidos em seus usos rituais. Inicialmente pensada pensado para reunir as conferências apresentadas no “I Congresso sobre Uso Ritual da Ayahuasca”  (Campinas, 1997), e depois acrescida acrescido de textos de pesquisadores que não participaram do evento mas que tem têm trabalhos consolidados nesse campo na essa área de estudos, a publicação o livro é uma excelente entrada nesse campo de estudos que abarca o trabalho de gerações de pesquisadoresda antropologia que, no Brasil, tendo m sse desenvolvido ao campo que abarca já o esforço de algumas gerações de pesquisadores, no Brasil tendo especialmente se desenvolvido na ndesde a última década.

Assim como em outras muitas áreas de pesquisas em torno de Como muitos dos temas amazônicos e suas agendas de trabalho, o estudo do uso da ayahuasca desenvolveu-se sobretudo iniciou-se a partir dos anos de 1970. Entre os nomes mais antigos atribuídos à bebida feita da infusão do cipó Banisteriopsis caapi – no Brasil chamado de “jagube” – com a folha do arbusto Psychotria viridis – conhecido como “rainha” –, está o de ayahuasca. O termo é traduzido do quíchua como “cipó dos mortos” ou “cipó dos espíritos”, o que nos remete a uma de suas significações, a de ser instrumento de reencontro com os antepassados.Trata-se de uma bebida feita da infusão de um o cipó (Banisteriopsis caapi), ) – no Brasil conhecido como chamado de “jagube”, ” – com a folha de um do arbusto (Psychotria viridis) conhecido como “rainha”, –, Tornou-se a denominação de uso corrente tanto entre aqueles que participam de seus rituais, como no âmbito dos estudos científicos. No Brasil, outro termo muitíssimo utilizado para referir-se a bebida é o de “daime”. Seu consumo, tanto entre índios, como entre não-índios, realiza-se infusão consumida no interior de práticas  práticas dentro de certas ritualísticas específicas, práticas e significações e de que corroboram envolvem certos princípios ético-morais norteadores norteadores, desenvolve-se especialmente a partir dos anos 1970. Entre os nomes mais antigos atribuídos à bebida, o termo está o de ayahuasca, termo que se tornou-se de uso corrente, tanto entre os envolvidos aqueles que em seu uso participam dos ritualrituais, quanto como no âmbito dos estudos científicos. O termo é traduzido do É traduzível do quíchua como “cipó dos mortos”, ” ou “cipó dos espíritos”, tradução o que nos remete de imediato a uma de suas significações, qual seja, a de ser instrumento de reencontro com os antepassados.

A organização do livro em três partes reflete (“Ayahuasca entre os povos da floresta”, “As religiões ayahuasqueiras brasileiras” e “Os estudos farmacológicos, médicos e psicológicos da Ayahuasca)  ilustra abrange tanto a expansão do uso indígena da bebida para o curandeirismo caboclo, daí à formação das religiões daimistas brasileiras, chegando aos círculos internacionais da Nova Era, como tanto não só a demarche démarche epistemológica de formação desse campo de estudos.; quanto , mas também a expansão do uso indígena para o curandeirismo caboclo, até e, ainda, a formação das religiões daimistas brasileiras, chegando aos círculos internacionais da Nova Era.  Além disso, acompanhamos também aos desenvolvimentos dos estudos farmacológicos sobre seus os princípios ativos da ayahuasca e suas especificidades de suas ações, tomados enquanto como uma experiência somatológica e cultural. Após os textos introdutórios do antropólogo Mauro Almeida e dos organizadores do volume – textos , que tanto resumem seu conteúdo, quanto apontam para questões e constatações gerais de ordem analítica e empírica -, temos a primeira parte do livro, dedicada à: intitulada “Ayahuasca entre os povos da floresta”.

Dentro da categoria “povos da floresta” (que mereceria uma nota explicitando o porquê de sua escolha), somos apresentados ao seu uso ritual da ayahuasca entre grupos indígenas, caboclos peruanos e colombianos, e seringueiros brasileiros. O primeiro dos 7 sete artigos que compõem esta essa parte, do antropólogo Pedro Luz, apresenta um mapeamento bibliográfico da literatura dos sobre os grupos indígenas Pano, Aruák e Tukano, dedicada especialmente ao uso da Banisteriopsis. Uma constatação etnográfica importante enfatizada por Luz (p. 63) é a de que o uso ritual da ayahuasca em contexto indígena é apresenta-se como um dos fatores fundamentais que contribuem para a coesão dos grupos, epicentro de seus dos sistemas de crenças, de das relação relações com o cosmos e com os antepassados, com os e de processos terapêuticos de cura corporal e espiritual. O autor expõe Em seu trabalho somos também apresentados ao o instrumental analítico desenvolvido para apreender o fenômeno, especialmente sobretudo a literatura dedicada ao “xamanismo”.

No artigo de Jean Langdon, dentro No artigo de Jean Langdon, dentro de uma proposta de abordagem “transdiciplinar” – que, aliás, marca o volume de um modo geral - , uma bela narrativa Siona introduz o leitor à ritualística e aos processos de transmissão de conhecimento envolvidos no consumo da ayahuasca entre o grupoSob uma perspectiva de uma proposta de abordagem transdiciplinar – que, aliás, marca o volume de um modo geral – , o artigo de Jean Langdon é introduzido por uma bela narrativa Siona, que serve de entrada a à ritualística e aos processos de transmissão de conhecimento envolvidos no consumo da ayahuasca entre o grupo. Um ensinamento chave em Langdon enfatiza é o de que mostra que a experiência, além de ser uma construção subjetiva e neurofisiológica, é “permeada de orientações culturais” (p. 68), . Quer dizer: ou seja, “a experiência faz parte da comunidade como um todo, e não só do xamã” (p. 69). O mesmo se aplica a à “práxis alucinógena” (p. 95) kaxinawá apresentada por Barbara Keifenhem especialmente através sobretudo por meio das noções nativas de ver e visualizar, ao final apontadas como sendo “holísticas”, englobando o cotidiano e o extraordinário, o sonho e a realidade. Aqui, como em Langdon, o contexto cultural é enfocado dentro da complexidade da experiência com a ayahuasca, contexto que promove a padronização de certos estoques imagéticos compartilhados pelo grupo. A dimensão musical do fenômeno, aludida em vários artigos do volume,  é também enfatizada  - o que também ocorre ao longo de vários artigos do volume - como sendo fundamental para a condução e a salvaguardo salvaguarda do ritual, como expresso no mo se pode observar no . Conforme expresso em trecho do canto kaxinawá apresentado por Keifenhem: “E no caminho sonoro nós todos sairemos da embriaguez do nixi pae” (p. 103).

Vale ressaltar que aUm ponto que nos parece importante,e que acompanharemos ao longo do livro, é o da formação de Ao longo do volume somos apresentados não só à várias realidades etnográficas, mas também à formação de  metodologiass de trabalho, que, no presente volume, enveredou para (que chegariam às experiências interdisciplinares, como é o caso do presente volume)  e a criação de instrumentos heurísticos para apreender e apresentar cientificamente estas realidades,o fenômeno dado subjacente ao modo como somos introduzidos aos diversos usos rituais da ayahuasca. De todo modo, é possível  devem ser discutidos, na medida em que situar e posicionar autores e propostas de abordagem, de modo a trazer melhor o tipo de abordagem utilizada é crucial . Este ponto é relevante para a compreensão da s discussões análises e  dos dados apresentados ao longo do encadeamento do volumedos artigos textos. , uma vez que NAs noções que respondem a realidades etnográficas e analíticas específicas, como, por exemplo, a de “vôo xamânico” (videver, por exemplo,  a etnografia Siona e Kaxinawá apresentadas por Langdon e a Kaxinawá apresentada por Keifenheim, respectivamente), passaram a serpassariam a ser são instrumentos heurísticas heurísticos potentes e de uso corrente, por vezes abusivo, não só para a descrição, a interpretação e a análise dos casos indígenas, mas também para instrumentalizando instrumentalizar o estudo dos usos que a ayahuasca substância adquiriu nos últimos séculos (enquanto como curandeirismo caboclo e doutrina religiosa), ainda que não refletindo as categorias nativas de uso corrente.

O artigo do médico Germán Zuluaga tem marca seu lugar na proposta da edição de compor um quadro polifônico, por vezes conflitivo, das vertentes e dos atores envolvidos – entre “nativos” e “pesquisadores” – neste nesse campo de estudos e de práticas. Incorrendo em A falta de rigor etnográfico ao longo de torna sSua argumentação, a validade de sua articulação acaba tornando-se acaba tornando-se frouxa e pouco precisa tomada ante a veemência de seus fins: seu principal argumento, qual seja, o de qual seja, desqualificar toda e qualquer prática envolvida no consumo do chá (seja ritual ou , seja científica) , exceto as exercidas pelas populações indígenas. Contrapondo-se ao uso não-indígena, ao que chama de “levianas formas de uso e interpretação sobre seus efeitos”, “apropriação por parte do homem branco, de uma sabedoria e um bem indígena” (p. 135),  oPor vezes, o autor chega a conceber o consumo da ayahuasca no meio indígena é apresentado como sendo , por vezes, aliás, traçadas em um quadro geral em que são concebidas qual fossem reminiscências de uma ciência original, denominada de como o “saber xamânico”  (p. 139). A esse texto Seguesegue-se , então, o trabalho de outro médico, Jacques Mabit, que buscando entender compreender o fenômeno sobretudo a partir especialmente dentro de suas possíveis propriedades “etnomédicas” (p. 148). Evocando o “conhecimento ancestral dos mestres curandeiros da Amazônia peruana” (p. 145) de forma positiva, seus esforços concentram-se em apontar empiricamente a validade dessa prática dentro do que chama de  “tradições de cura”: de , ou seja, “sistemas de representação mental nas práticas de cura” (p. 147). Junto Junt a Além de uma boa etnografia sobre o preparo, o consumo, a significação e o efeito fisiológico da bebida, Mabit apresenta também suas experiências como terapeuta no Projeto Takiwasi, no Peru, especialmente no no que se refere ao tratamento de toxicomanias.

No trabalho de Luis Eduardo Luna, ainda Ainda no contexto do “xamanismo ribeirinho” (p. 179), Luis Eduardo Luna apresenta-nos o somos apresentados mais etnograficamente ao universo dos curanderos, ou, como enfatiza Luna o autor(p. 181), dos “vegetalistas ribeirinhos” da bacia do Alto Amazonas (p. 181).  Segundo esta essa “tradição”, enfatiza, “sob certas condições algumas plantas ou vegetais”, , possuidoras de sábios espíritos, teriam a faculdade de ensinar às pessoas que os procuram” (p.181). Sua origem está ligada ao encontro entre índios e não-índios ao longo dos últimos três séculos.

A dimensão do “segredo” entre seringueiros brasileiros, enfatizam, por fim, a antropóloga Mariana Franco e o seringueiro Osmíldo Conceição (p. 200), marca um fenômeno da mesma ordem do curandeirismo peruano e colombiano, no caso entre seringueiros brasileiros. No artigo que fecha a primeira parte do volume, somos apresentados ao uso da ayahuasca especialmente no Vale do rio Juruá, no Acre. Muito interessante em boa parte das realidades a que somos apresentados ao longo da obra, é o fato de - através de metodologias em micro-história, na elaboração de histórias de vida - podermos acompanhar no decorrer do livro, por meio de metodologias em micro-história, parte da sociogênese de fenômenos por vezes datados de não mais de um século, onde em que pesam as relações diádicas, as relações familiares e comunitárias,  a “lealdade das amizades” (p. 208) nos caminhos de constituição e institucionalização de práticas rituais associadas ao consumo da ayahuasca. Durante o período de atuação das empresas extrativistas da borracha nas primeiras décadas do século XX, Oo “aprendizado da ciência da cura” (p. 205) -, que no caso brasileiro levaria levaria ou a “expansão do uso da ayahuasca” (p. 213) à formação de religiões caboclas , tema da segunda parte do volume-, acontecia em acontecia no âmbito do permanecia como um segredo por conta , da descrição, especialmente por conta em virtude da perseguição dos patrões seringalistas, para os quais decorria de tais práticas a “displicência para o trabalho” (p. 208).

Nos treze artigos que compõe Na segunda parte do volume, “As religiões ayahuasqueiras brasileiras” (terminologia que também merecia uma nota explicitando o porquê de sua escolha),  composta de treze artigos, somos apresentados ao fascinante mundo das chamadas “religiões ayahuasqueiras brasileiras” (p. 229) dessas religiões em sua formação sócio-histórica: o Alto Santo (1930), o Centro Eclético da Fluente Luz Universal Raimundo Irineu Serra (1970), a Barquinha (1945) e a União do Vegetal (1960). Fascinante porque, ainda que recentes historicamente (todas as religiões ligadas ao consumo da Banisteriopsis surgiram no século XX), compõe um quadro rico e complexo de práticas, significações e princípios ético-morais da maior relevância em seus contextos locais.Fascinante porque, ainda que recente historicamente recente (todas as religiões ligadas ao consumo da Banisteriopsis tendo aparecido surgiram no século XX), a riqueza e a complexidade dos universos práticos, simbólicos e ético-morais a que somos apresentados é imensa e da maior relevância são muito relevantes nos contextos das realidades locais nos quais estão inseridos. O primeiro trabalho, da antropóloga Beatriz Labate, apresenta faz um exaustivo levantamento da “literatura brasileira sobre as religiões ayahuasqueiras” (p. 229) em dois eixos: trabalhos acadêmicos (sobretudo antropológicos especialmente) e não-acadêmicos. Nesta parte do volume, marcamos que os Os modos de descrição e de interpretação dos usos rituais associados à ayahuasca passam a abranger amplia-se, passando-se a fazer uso tanto da a literatura sobre “xamanismo”, quanto de como os estudos dedicados ao “catolicismo popular” , ao sincretismo religioso, ao “campesinato”, a formação de  e às “biografias” de seus dos fundadores. Associam-se, nesse momento da análise, para associar as trajetórias pessoais com as estruturas rituais e ético-morais, o que amplia o campo de visão. Enfim, não só o fenômeno, mas também as formas de apreendê-lo tornam-se mais complexascomplexificaram-se.

No artigo sobre o Alto Santo – núcleo daimista mais antigo, fundado em 1930 –, da antropóloga Arneide Bandeira Cemin, temos a máxima de Mauss seguida com precisão: “detalhes são essenciais”. A autora apresenta uma minuciosa etnografia, desde os níveis técnicos e hierárquicos envolvidos no preparo da bebida e o ideário a este associado, até a organização da liturgia daimista, seus instrumentos e princípios ético-morais norteadores. Fazendo uso original da idéia maussiana de que por meio de técnicas corporais se produz-se  a “vida simbólica do espírito” (p. 279), o leitor é apresentado a inúmeras toma conhecimento de muitas dessas “técnicas religiosas” (p. 278) como: o , por exemplo, o fardamento, a concentração, e o bailado.

A antropóloga Sandra Goulart contextualiza de modo revelador, antropóloga, nos trás uma reveladora contextualização da  a “emergência do Santo Daime” (p. 314). O surgimento de “religiões ayahuasqueiras” no último século no Brasil deve-se especialmente a alguns personagens. O artigo de Goulart nos apresenta a um desses personagens, analisa uma figura emblemática da cultura religiosa acreana, nascido na baixada maranhense, neste caso ao o ex-seringueiro, “afamado curador”, e depois “Mestre”, Raimundo Irineu Serra, nascido na baixada maranhense, figura emblemática da cultura religiosa acreana.  Aproximando-se do universo daimista do Alto Santo através por meio dos de estudos dedicados a à “antiga sociedade rural brasileira” (p. 315), Goulart a autora discute realça o modo como a maneira pela qual o “mutirão”, as “festas religiosas” e o “compadrio” são elementos que organizam os “bairros amazônicos” (p. 315). Estes elementos também atuariam na formação das religiões ayahuasqueiras. No processo migratório da floresta para as recém-periferias urbanas de Rio Branco, em em um destes vindo desses bairros viria eio a se constituir, no processo migratório da floresta para as recém periferias urbanas de Rio Branco,  o Alto Santo, primeiro núcleo religioso organizado em torno do consumo da ayahuasca.

No artigo do antropólogo N o caso do antropólogo Fernando de La Rocque Couto,  usa a noção de “xamanismo” é usada como uma ferramenta analítica adaptada ao contexto daimista. Couto propõe entender o Santo Daime como expressão de um Trata-se , somos apresentados ao fenômeno das religiões ayahuasqueras tendo a noção de “xamanismo” como ferramenta analítica adaptada ao contexto daimista, sendo pensada como da ordem de um “xamanismo coletivo”: ”, uma vez que ou seja, “embora existam os comandantes do trabalho, a atividade xamânica não é exclusividade apenas de alguns iniciados” (p. 358). Sua leitura enfatiza especialmente a dimensão da “ordem” para qualificar o ritual, sublinhando, por exemplo, sua “organização militar” (p. 349).. Neste Nesse sentido, seu corpo doutrinário cumpriria uma “função estruturante” (p. 362). [AN2] 

O ensaio do antropólogo Clodomiro Monteiro Silva, antropólogo, elenca  analisa o fenômeno da “miração” – “categoria central do uso ritual da ayahuasca no modelo do no culto do Santo Daime” (p. 367) –, como o elemento que liga une “culturas indígenas americanas” e “religiões afro-brasileiras”, relacionado-a o com o ao fenômeno da “incorporação”, ou “irradiação”. Sua proposta é a de situar o culto do Santo Daime (pensado no caso como constituído em Sistemas de Juramidam, o do  Alto Santo,  e Sistemas de Daniel Pereira de Matos, o da  Barquinha)  entre os cultos afro-amazônicos (p. 369). O autor Enfatiza enfatiza que o estudo de caso do desse culto remete a duas “tradições” (p. 368), a indígena e a afro-brasileira, sendo esta que esta a última sendo é fruto das migrações maranhenses para a região durante o ciclo da borracha, na virada dos séculos XIX para o século XX. Ainda que sua tradução para o termo daime a partir do fon pareça etnograficamente insustentável, seu enquadramento do culto do Neste Nesse contexto, segundo Silva, o Santo Daime poderia pode ser enquadrado no “horizonte dos cultos afro-amazônicos” (p.371) traz rendimento e se justifica, realçando o fato, no caso, decorrente especialmente do diálogo entre a religião amazônica e o com o culto afro-brasileiro maranhense do Tambor de Mina.

Walter Dias Jr., cientista social, escreve em com um tom bem bastante pessoal, seguindo aquilo a que se propõe: conciliar objetividade e subjetividade. Aalém de apresentar um realizar uma boa etnografia do processo de preparo da infusão, é mais um dos autores que propõe uma aproximação “bio-psico-antropo-social” (p. 415) de seu uso para analisar o uso ritual da ayahuasca. Sua proposta desenvolve-se , não só no sentido de promover  umauma “transdisciplinaridade” entre ciências, mas também de buscar em como uma forma de se aproximação aproximar do fenômenotemaao fenômeno ,  “baseada no diálogo entre a objetividade e a subjetividade” (p. 424).

Maria Cristina Pelaez, médica e antropóloga, dedica-se em a explorar as “potencialidades terapêuticas do santo Santo daimeDaime, como agente de ‘cura espiritual’” (p. 427), em especial sobretudo em sua capacidade de “gerar sentimentos de transcendência que possibilitam a cura de desequilíbrios físicos, mentais ou espirituais” (p. 428).  Mais uma vez temos enfatizado que Segundo a autora, a análise dos “complexos eventos neuroquímicos” relacionados ao uso da infusão devem ter em mente levar em conta que “embora agentes psicodélicos atuem nos mesmos receptores cerebrais e produzam similares mudanças somáticas, psíquicas e perceptivo-sensoriais, eles não determinam per se as características da experiência” (p. 429), esta estando . Esta A experiência é mediada pelos pelosor contextos aspectos culturais em que está inserida característicos de peculiares a cada lugar.

O trabalho do antropólogo Edward MacRae reforça ainda mais essa premissa que perpassa o volume de que os estudos do uso de substâncias psicoativas devem levar em conta aspectos “biopsicossociais” (p.447), deslocando ao deslocar a ênfase apenas nos dos detalhes farmacológicos para também levar em conta os de natureza psicológica e sociocultural. O autor responde às as críticas feitas às religiões ayahuasqueiras, no quadro geral dos usos rituais ligados a ayahuasca, apontando o “perigo das alegações de ‘pureza’ e ‘originalidade’” (p. 452) como pressupostos de legitimação das experiências ligadas à bebida. O autor eEnfatiza, além disso, as dificuldades que a análise geral dos usos rituais ligados à ayahuaca este quadro traz a uma aproximação às religiões ayahuasqueiras, “cuja natureza sincrética e cujo distanciamento das tradições indígenas, às vezes, causam incompreensão” (p. 453).

O antropólogo alemão Carsten Balzer trata da contemporaneidade do uso da bebida, que atingiu, especialmente sobretudo na última década, cidades como Berlim e Tóquio, no contexto dos “círculos da Nova Era” (p. 462), ),  e do “mercado das religiões” (p. 479).  Através Por meio da descrição de um “workshop xamânico” (p. 471), Balzer aponta para o fato de que de acordo com a forma com que é feita sua transposição para contexto sócio-culturais diversos, o “ritual legendário da Amazônia” (p.473) pode não trazer os benefícios que tem sido apontados em seus locais originários de uso.aponta para o fato de que de acordo com a forma com que é feita sua transposição pela qual é transposto para contextos socioculturais sócio-culturais diversos, o “ritual legendário da Amazônia” (p. 473) pode não trazer os benefícios que tem sido apontados verificados em seus locais originários de usode origem.

No trabalho do antropólogo Wladimyr Sena Araújo somos apresentados introduzidos à Barquinha, ou Centro Espírita e Culto de Oração Casa de Jesus Fonte de Luz, fundado por Daniel Pereira de Matos em 1945. Seu objetivo é “apresentar o espaço simbólico de uma das religiões da Amazônia” (p. 497). O autor relaciona aspectos da história de vida de Daniel com o corpo simbólico da religião, enfatizando seu caráter plástico, sua “grande velocidade de incorporação e retirada de elementos de práticas religiosas diversas” (p. 506), pelo que a imagem da barca é lida qual fosse uma “nau de ressignificação” (p. 508).

Fechando esta a segunda parte do volume, temos três artigos dedicados à União do Vegetal (UDV). Lucia Regina Brocanelo Gentil, antropóloga, e Henrique Salles Gentil, historiador e psicólogo, refazem a trajetória de do baiano José Gabriel da Costa , baiano, que, assim como Irineu Serra e Daniel Mattos, migra migrou como soldado da borracha para a Amazônia, nas primeiras décadas do século XX. “Mestre Gabriel”, como ficaria conhecido, fEste seria o fFundariador d a UDV nos anos de 1960, constituindo  em seu “corpo doutrinário eclético” (p. 515) nos anos 1960, misto  – assim como no caso das demais religiões ayahuasqueiras - de cristianismo com,  cultos africanos e indígenas e de seitas espíritas -  o que, aliás, é característico das demais religiões ayahuasqueiras. A . A  –, a partir dos anos da década de 1980, a UDV passaria a informam os autores, expandiria expandiru suas ações para centros urbanos como Rio de Janeiro e São Paulo.

O antropólogo Sérgio Brissac, antropólogo, em perspectiva similar a anterior, enfatiza a relação entre o percurso de vida de José Gabriel e a constituição da UDV dentro de “uma ampla rede de relações com diversas configurações culturais presentes na sociedade brasileira” (p. 525). Neste Nesse sentido, tanto o catolicismo popular, quanto como o candomblé, e mesmo a capoeira com suas chulas e princípios éticos, são elencados como considerados como dimensões presentes na constituição deste desse “rito sincrético afro-indígena” (p. 532).

Finalmente, fechando a segunda parte do volume, fechando a segunda parte do volume, o antropólogo Afrânio Patrocínio de Andrade situa o advento da expansão de algumas das religiões ayahuasqueiras, em especial a UDV, dentro de um contexto mais amplo,  “um momento novo na história”:  o “retorno ao encontro com a religião” (p. 543). Seguindo a linha de diversos autores no volume, eEnfatizando o caráter iniciático e hierárquico de religiões como a UDV, por um lado o autor reconhece suas contribuições para um o desenvolvimento de seus membros “em termos familiares e sociais” (p.556), mas por outro critica susuas facetas autoritárias e dogmáticas, salientado, oportunamente, que “a intolerância religiosa é filha do dogmatismo ortodoxo” (p. 563).

Nos 5 cinco artigos que compõem a terceira e última parte do volume, “Os estudos farmacológicos, médicos e psicológicos da ayahuasca”, somos apresentados aos últimos resultados dos estudos psicológicos, médicos e farmacológicos sobre a “única preparação botânica dependente de uma interação sinérgica entre alcalóides ativos” (p. 578) presentes no Banisteriopsis caapi (Beta-carbolina) e na Psycotria viridis (N-Dimetiltriptamina). É esta essa interação que faz da infusão um potente “alucinógeno de ação rápida” (p. 578), o que, no entanto, não tem demonstrado trazer prejuízos psicosomatológicos, ainda que não obstante seu uso possa ter ocorrido durante muitos anosprolongado. Uma constatação A idéia geral que percorre Uma constante para todos os autores que assinam os artigos finais é a de quepode ser resumida,, por fim, no fato de que o consumo da ayahuasca se mostrou de investigação clínica “complexa botanicamente, quimicamente e etnograficamente” (p. 581), o que pode fazer da faz da bebida  “a mais sofisticada descoberta farmacológica jamais feita neste mundo arcaico” (p. 671), ). Tal descoberta deve ser analisada E analisar tal descoberta sob múltiplos ângulosque deve ser entendida dentro de seus diversos aspectos, do farmacológico ao cultural, proposta que foi o fio condutor que norteiaou a maioria dos autores presentes dem O uso ritual da ayahuascaste volumeao final um dos pontos principais enfatizado pela maioria dos autores que compõe o volume.

 

Edmundo Pereira é antropólogo, doutorando no PPGAS – Museu Nacional/UFRJ.

 

Publicado originalmente em: Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol 18, número 52, junho de 2003, pp 203-207.***


 [AN1]Dar um título à resenha. Quantas páginas tem o livro?

 [AN2]Não entendi muito bem essa frase! Sugiro reformulá-la.