Marras,
Stélio. À propósito de águas
virtuosas: formação e ocorrências de uma estação balneária no Brasil. Belo Horizonte, Editora da UFMG, 2004.
Orelha:
Pequenas cidades podem, pela caneta de um autor, tornar-se imensas. Esse é o caso de Poços de Caldas, estação balneária sul-mineira, na qual Stelio Marras apresenta o embate entre um mundo rústico e a modernidade dos costumes e da ciência.
O protagonista desse embate são as águas sulfurosas que irrompem da terra a 45 graus e para as quais, desde o Setecentos, confluem diferentes personagens – romeiros e ex-votos, coronéis, políticos e médicos. As águas que curam fundam a cidade e, com efeito, ditarão tanto a sua ascensão como a sua queda. E assim, no início do Novecentos, Poços de Caldas torna-se uma suntuosa estação, unindo Baco a Esculápio; o mundanismo e ritualismo típicos da Belle Époque à terapia das águas. Medicina, sociedade e política caminham juntas, selando um projeto de modernização, que cuida excluir as práticas populares. Mas é nesse mesmo projeto que reside a ruína da estação. O advento, ao fim dos 40, da penicilina de Flemming, ao lado da lei de proibição dos cassinos, faz com que os frequentadores de Poços comecem a migrar para outras bandas. As águas enfraquecem.
A propósito de águas virtuosas é, devido à sua escrita engenhosa e original, um livro total que não cabe em fórmulas restritas. Com a minúcia de uma monografia antropológica, passa do parentesco à política, e desta à cosmologia, atestando a impossibilidade de dissociar os planos material e simbólico quando se trata da cura. Com o rigor de uma análise histórica e sociológica, atravessa três séculos e enfrenta a mudança social, capturando a modernização em seus diferentes matizes. Com o sabor, por fim, de um texto ensaístico e literário, alimenta-se de fontes diversas – documentos, romances, crônicas, tratados científicos – para compor um cenário e uma intriga fascinantes.
Em suma, o livro de Stelio Marras devolve às ciências sociais um pulsar
intelectual há muito perdido. Em sua Poços
de Caldas natal, podemos reencontrar a melhor tradição do pensamento brasileiro
e muitos mundos a serem explorados. (RENATO SZTUTMAN)