Resumo das Apresentações
Local: Anfiteatro do Departamento de História – FFLCH -USP
Data: 29 e 30 de setembro de 2005
Realização: NEIP – Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos
Apoio: FFLCH/USP; Departamento de História – USP; Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social – USP.
Colaboração: Alto das Estrelas, Ecologia Cognitiva, Psicotropicus, Dínamo (ONG – Informação responsável sobre Drogas e Afins), Aborda (Associação Brasileira de Redução de Danos), IHRA (International Harm Reduction Association).
Resumo das apresentações (por ordem alfabética)
1) Alexandre Camera Varella (Mestrando em História pela USP/NEIP)
“Y que no sea borracho ni coquero”: psicoativos e o Mundo Andino em Guaman Poma
Figura controvertida da região centro-sul dos Andes peruanos, Guaman Poma se apresentou como “príncipe” em um longo manuscrito enviado a sua alteza real Felipe III da Espanha queixando-se da ganância e maus tratos dos conquistadores e funcionários espanhóis, especialmente de encomenderos e corregidores, e da similar concupiscência de padres e missionários, inclusive criticando “índios principais” comparsas dos exploradores do vice-reinado do Peru. Mas, enfim, como índio ladino, ou seja, vestindo-se como espanhol e capaz de falar a língua do invasor e escrevê-la, posava como grande devoto cristão. Aliás, participara ativamente da campanha de combate aos costumes “idólatras” das populações nativas acompanhando o Visitador Albornoz, tendo talvez cumprido a função de intérprete. Um documento legal indica que foi requisitado como escrivão num litígio de terras entre comunidades indígenas rivais. Na sua “carta ao rei”, com centenas de gravuras e mais de mil páginas, compôs narrativas históricas, relatos do cotidiano e discursos com ares de prédica eclesiástica em um texto com requintes de ironia e sátira. Ele teria nascido anos após a conquista de Pizarro, bem como teria completado sua crônica quando já idoso, no início do século XVII. É notório como Guaman Poma circulava com desenvoltura entre a cultura letrada espanhola e a oral nativa, permeando seu discurso moral católico com o olhar fino de uma etnografia rigorosa dos Andes Centrais. Ao recuperar este relato original, buscamos examinar indícios da cultura do uso de psicoativos pela população nativa, notadamente, o consumo de folhas de coca e da bebida chicha. Entre outras questões, sugerimos a relação entre os psicoativos e o xamanismo ancestral, tensões entre usos cerimoniais e usos cotidianos de drogas, o papel da embriaguez e seus sentidos complexos, dentro da perspectiva de avaliar permanências e mudanças na história da conquista da América. Nesta apresentação, pretendemos ainda mostrar algumas ilustrações de Guaman Poma no que dizem respeito ao uso de psicoativos.
2) Anthony Henman (Mestre em Antropologia, Escritor e Pesquisador Independente da Fundacion Plantas Maestras – Peru, Lima)
Ética humana, sabedoria das plantas
O conceito indígena de que as plantas psicoativas têm verdades para nos
ensinar representa a porta de entrada para uma nova atitude ética. Em vez
de se caracterizar pelo medo e pela repressão, uma atitude conseqüente
deveria assumir uma defesa da autonomia e da responsabilidade do indivíduo
que busca o conhecimento através das plantas e dos seus derivados.
3) Anthony Henman (Mestre em Antropologia, Escritor e Pesquisador
Independente da Fundacion Plantas Maestras – Peru, Lima/NEIP)
Políticas de redução de danos frente à coca e seus derivados
O movimento internacional de redução de danos ainda não encontrou uma
resposta adequada para os transtornos criados pelo uso da cocaína e do
crack. Não existe uma prática de substituir estas substâncias, seguindo o
modelo da metadona para os usuários de heroína. O Brasil, que tem dentro das
suas fronteiras ao menos três áreas de “uso tradicional” de folha de coca –
Alto Rio Negro, Tefé e Acre – poderia aproveitar esta experiência e
aprofundar as tentativas andinas de empregar derivados da coca no tratamento
da dependência ao alcalóide refinado.
4) Beatriz Caiuby Labate (Doutoranda em Ciências Sociais pela Unicamp/NEIP)
Notas sobre a expansão das religiões ayahuasqueiras brasileiras para o exterior
Assim como o Santo Daime e a União do Vegetal tem se expandido por todo o Brasil e por vários continentes do mundo, há um enorme boom nos estudos acadêmicos sobre a ayahuasca. Totalizam-se hoje 41 teses de mestrado e doutorado sobre estes dois grupos e a Barquinha. Há, entretanto, uma enorme lacuna na bibliografia sobre o tema: apenas um estudo aborda a expansão do Santo Daime para fora do país. Esta comunicação fará um mapeamento geral da expansão do Daime e da UDV para o exterior, incluindo alguns dados históricos, a localização dos principais agrupamentos, características gerais sobre os seus mecanismos de funcionamento e o status legal da ayahuasca em alguns países. Por um lado será pensado o impacto da criação de igrejas do Santo Daime no exterior e da circulação das “comitivas daimistas” na dinâmica do grupo e, por outro, algumas das implicações da batalha jurídica que a UDV vem empreendendo nos EUA há seis anos pela sua legalização. A argumentação levantada no processo por ambas partes permite pensar importantes questões antropológicas, como a noção de “religião”, “autenticidade”, “tradição”, “local”, entre outras. Será analisado como a defesa do uso ritual e religioso de um “sacramento” relaciona-se com a lógica do proibicismo, acabando, por vezes – paradoxalmente – por reafirmar alguns de seus princípios.
5) Christian Frenopoulo (Mestre em Antropologia pela University of Regina, Canadá/NEIP)
Iglesias de Ayahuasca: del chamanismo a religiones universales de salvación
La presentación resalta algunos ejes que caracterizan la transformación del uso informal y esporádico de la Ayahuasca que hacían los curadores y chamanes indígenas y mestizos hacia el uso reglamentado, sacramental y eclesiástico en las iglesias de Ayahuasca que fueron fundadas en Acre, Brasil, a partir de la década de 1920. Se centrará la discusión en la iglesia del Santo Daime y la União do Vegetal (UDV). La diferencia principal con el uso chamánico es la desaparición de la figura del chamán dentro de los rituales de las iglesias. Esto está asociado a una variedad de consecuencias. La ausencia del chamán modificó la concepción del uso terapéutico de la bebida. En el chamanismo típico, la Ayahuasca es una herramienta de diagnótico, pero en las iglesias se transforma en sacramento con un valor curativo intrínseco asociado a la moralidad del sujeto. Del mismo modo, la ausencia del chamán transformó los performances terapéuticos, las cuales desaparecen del culto. El culto se vuelve sobrio, sin interacción ni contacto físico entre participantes. La experiencia subjetiva de la Ayahuasca deja de ser interpretado en términos políticos (por ejemplo, como luchas entre chamanes rivales) y, en cambio, pasa a comprenderse como una exploración psíquica instrospectiva e individual. De este modo, las visiones y purgas son consideradas exploraciones y limpiezas morales, en vez de expulsiones de elementos intrusivos externos enviados por enemigos. Por otro lado, una liturgia única y rígida, el uso del lenguaje vernacular (portugués) y una reglamentación estatutaria de los centros y del comportamiento ritual genera un patrón único que facilita la fundación y expansión de las iglesias a otras localidades y países bajo una única estructura burocrática eclesiástica. Finalmente, la producción, abastecimiento, distribución y condiciones del consumo de Ayahuasca se hace por circuitos regulados y controlados por cada organización e independientemente del mercado u otras vías de distribución. Esto garantiza y obliga a los centros y sus participantes a mantenerse dentro del campo de influencia eclesiástica para poder llevar a cabo sus rituales.
6) Dr. Décio de Castro Alves (Psicólogo Clínico – Coordenador do Programa de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde do Município de Santo André e Membro do Comitê Científico para Políticas de Álcool e outras Drogas do Ministério da Saúde)
A política do Ministério da Saúde para o álcool e outras drogas
Apresentação da “Política do Ministério da Saúde para a Atenção
Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas”, que tem nos CAPS AD o
principal equipamento ordenador das ações de saúde pública, e tem a
Redução de Danos como eixo primordial de ações voltadas as populações que
não aderem aos tratamentos tradicionais em Álcool e Drogas.
7) Edward MacRae (Antropologia-UFBA/CETAD/NEIP)
A importância dos controles sociais informais sobre o uso de substâncias psicoativas
Esta apresentação enfocará os controles sociais vigentes sobre o uso das subtâncias psicoativas sejam eles formais, na forma de leis e regulamentos oficiais, sejam eles informais como as normas, regras de conduta, e os rituais sociais que surgem de maneira espontânea entre usuários e que podem constituir verdadeiras subculturas. Será defendida a posição de que os controles informais exercidos por pares e outros indivíduos ou instituições com os quais o sujeito interage diretamente são percebidos como mais pertinentes e são muito mais eficazes do que meros da legislação. Embora os impactos simbólicos e práticos da lei não devam ser desprezados, será defendida a posição que uma postura de diálogo franco com usuários, em que seja demonstrado respeito por seus valores e anseios é muito mais útil à prevenção de danos relacionados ao uso dessas substâncias que atitudes proibicionistas adotadas de forma dogmática e unilateral.
8) Henrique Carneiro (História-USP/NEIP)
As drogas e a historicidade dos conceitos. Autonomia e heteronomia nas tecnologias químicas da subjetividade
As drogas são produtos com definições e fronteiras conceituais definidas historicamente. No âmbito geral da cultura material, seus significados delimitam-se e interconectam-se com as esferas dos alimentos, das bebidas, das especiarias, e os seus efeitos, não apenas puramente farmacológicos, multiplicam-se numa gama ampla com consequências diversas na história das idéias dos significados médicos, econômicos, políticos, morais e simbólicos do conceito de droga.
O uso de drogas psicoativas remete a uma crescente plasticidade da subjetividade humana que espelha-se em diversos meios técnicos para alterar a percepção, a cognição, a afetividade e o humor. Esta comunicação enfocará as transformações históricas ocorridas na época contemporânea nos recursos de intervenção sobre a subjetividade, cada vez mais plástica em suas possibilidades múltiplas de expressão e, ao mesmo tempo, cada vez mais prisioneira de técnicas condicionadoras, com as fronteiras entre a autonomia e a heterenomia na esfera psíquica sendo objeto de crescente estreitamento, vigilância e transgressão.
9) Isabel de Rose (Mestre em Antropologia Social UFSC/NEIP)
Algumas reflexões sobre a “cura” no Santo Daime.
A preocupação da cultura daimista com a cura já foi notada por estudiosos como Couto, Groisman, Goulart, MacRae e Monteiro da Silva que discutiram as concepções daimistas de cura, doença e salvação. Maria Cristina Peláez dedicou sua dissertação a esta temática, enfocando a relação entre as práticas terapêuticas e os estados modificados de consciência. Groisman e Sell destacaram a intensidade, a presença constante e a preocupação com a natureza terapêutica do Santo Daime, afirmando que o processo daimista de cura pode ser caracterizado como “a culture of healing”.
Realizei meu trabalho de campo numa comunidade do Santo Daime chamada Céu da Mantiqueira. Esta comunidade é definida pelos seus próprios participantes como um “centro de cura”. A temática da cura tem importância fundamental para este grupo, constituindo um dos eixos que constrói sua identidade. Algumas das características que contribuem para consolidar esta identidade são: a realização constante de rituais direcionados para a cura; a existência de uma ampla gama de procedimentos terapêuticos disponíveis aos seus participantes; a presença, entre os participantes da comunidade, de um grupo expressivo de pessoas que trabalham profissionalmente na área da saúde. Neste contexto há uma interpenetração entre o espiritual e o terapêutico, gerando um duplo movimento de terapeutização da espiritualidade e espiritualização dos procedimentos terapeuticos. Desta maneira, os domínios espiritual e terapêutico constituem um continuum.
Nesta apresentação eu pretendo discutir o conceito de “cura” para os participantes do Céu da Mantiqueira, procurando levantar e definir as principais categorias culturais envolvidas nas experiências dos processos de cura, saúde e doença. Também pretendo problematizar a inserção de pessoas que trabalham profissionalmente na área da saúde no Santo Daime, avaliando algumas implicações desta inserção.
10) José Ricardo Gallina (Psicanalista e Mestrando em Ciências da Comunicação pela ECA-USP/NEIP)
Sobre o poder de (des)construção das mídias
O conceito das mídias em sentido amplo está fundamentado nas noções de mediação, veiculação ou transmissão. De comunicação e informação sobre certos saberes de interesse público. Os avanços tecnológicos da alta modernidade trouxeram grande impulso às comunicações e uma conseqüente proliferação de informações de interesse dúbio diluídas entre os interstícios sociais. Evidentemente, os interesses de grupos econômicos, ou mesmo de países hegemônicos, no cenário mundial, prevalece no que concerne à distribuição e hierarquização dos meios, através das agências de informação e estratégias publicitárias de alcance globalizado. Porém, seria uma visão parcial considerar apenas a existência de um controle formal sobre as informações. Tratar das mídias como um ‘balaio de gatos pardos’ é lançar sobre os mais diversos veículos de comunicação um olhar imaginário e persecutório. [Alguma coisa está fora da ordem, fora da nova-ordem mundial]. O poder de construção da realidade, a partir de alguns grupos ou discursos dominantes, sobre as transmissões e informações, enfrenta como contraponto outras formas de des-construção dessa mesma realidade. No que tange ao consumo de substâncias psicoativas nas diferentes épocas e sociedades, existe uma tendência simplificadora e generalizante de tratá-las como drogas, e de associá-las rapidamente ao sub-mundo da violência e da degradação moral – o mesmo ‘balaio de gatos pardos’. Esse modo arbitrário e preconceituoso de abordar as diferentes práticas e substâncias, no entanto, nem sempre encontra eco, mas sim refração na imprensa e em meios vinculados aos interesses da juventude e às artes. Como na música, há uma sintonia fina entre diferentes grupos que discrimina a afinação ou tonalidade adequada para o tratamento desses hábitos.
11) Laércio Fidelis Dias (Doutorando em Antropologia Social, USP)
Aspectos sócio-culturais do consumo de bebidas alcoólicas entre os grupos indígenas do Uaçá.
Este texto propõe uma reflexão acerca dos significados do consumo de bebidas alcoólicas a partir de dados etnográficos sobre os Karipuna e os Galibi Marworno que vivem nas Terras Indígenas da região do Uaçá, extremo norte do Estado do Amapá. Já está bem estabelecido na literatura antropológica sobre o tema que, onde quer que um ou mais tipos de bebida alcoólica estejam disponíveis, seu consumo é utilizado para definir o mundo social em termos de significados simbólicos. Toda bebida é um veículo simbólico que carrega uma mensagem. Identifica, discrimina, constrói e manipula sistemas sociais, valores, relações interpessoais, normas e expectativas de comportamento. O argumento central deste texto é o de que a qualificação do consumo como indesejável não está intimamente ligado à quantidade de bebida. As percepções indígenas do excesso indicam que seu valor é ambivalente. Pode ser culturalmente adequado ou inadequado, e é apenas o contexto que define se há excesso e o seu valor.
12) Leandro Okamoto da Silva (Mestre em Ciências das Religiões pela PUC-SP/NEIP)
Limpeza, cura e ordem no Santo Daime.
Os relatos sobre as experiências com a ayahuasca são repletos de descrições sobre visões e vivências numinosas carregadas de significados e ricas em simbologias. Menos freqüentes, embora sempre presentes, são as descrições das reações negativas da substância: vômitos, diarréias, sudores, confusão mental, sensação de indiferenciação, entre outros. Analisaremos esse fenômeno, e a forma como ele é revestido de significados, em um grupo específico: o Santo Daime. Da mesma forma que ocorre com as visões, os efeitos purgativos e sombrios da ayahuasca recebem contornos e interpretações próprias de acordo com o contexto cultural. No Santo Daime ela é conhecida como peia, e é genericamente entendida como um castigo aplicado pela própria bebida, tida como um “ser divino”, em virtude de falhas morais ou despreparo do sujeito. A análise se dá a partir de duas perspectivas distintas e complementares. A primeira perspectiva vê a peia como uma categoria central do processo de cura. A peia seria a própria exteriorização e materialização das doenças, que devem ser compreendidas e corrigidas em suas causas, quase sempre de natureza moral. A segunda perspectiva de análise vê a peia como um elemento de coesão social. Se no âmbito individual a peia deve ser vivenciada e compreendida, no âmbito coletivo ela ajuda a moldar o comportamento adequado esperado pelo grupo, de forma a evitá-la. A peia torna-se um instrumento de poder, que por um lado fornece referenciais baseados na tradição oral do grupo e, por outro, auxiliam o indivíduo a enquadrar a própria peia nessa mesma tradição.
13) Lucas Kastrup Fonseca Rehen (Mestrando em Ciências Sociais pela UERJ/NEIP)
Rastafari: A “Natureza” como construção da identidade religiosa
O objetivo deste trabalho é analisar os principais elementos da filosofia religiosa rastafari. Nascida nas montanhas jamaicanas na década de trinta, esta filosofia se espalhou no contexto urbano jamaicano e em diversas partes do mundo, a partir dos anos setenta.
O trabalho busca investigar a visão de mundo rastafari, enfatizando a relação entre alimentação vegetariana, uso ritual da cannabis, música e a noção de “povo negro” nesta experiência religiosa. São utilizadas duas metodologias: entrevistas em profundidade com um grupo de rastafaris da Guiana Inglesa e a observação participante no ritual denominado “Nyahbingui”.
A proposta é analisar o papel fundamental das concepções de Natureza e Sagrado na formação do ethos em questão, apontando para a peculiaridade deste grupo na utilização da cannabis como sacramento religioso.
14) Maria Isabel Mendes de Almeida (Profa. do Depto. de Sociologia e Política da PUC-Rio e coordenadora do CESAP/UCAM) e Fernanda Eugenio (Doutoranda em Antropologia Social (MN/UFRJ) e pesquisadora do CESAP/UCAM)
Paisagens Existenciais e Alquimias Pragmáticas: uma reflexão comparativa do recurso às “drogas” no contexto da contracultura e nas cenas eletrônicas contemporâneas
Uma articulação entre as cenas eletrônicas contemporâneas e o consumo de substâncias sintéticas por jovens de camadas médias urbanas tem sido objeto de nossa reflexão nos últimos anos. Entre os resultados desta pesquisa, destaca-se como subproduto a necessidade de estabelecer uma perspectiva comparada com as gerações representativas da contracultura em nossa sociedade, na medida em que acreditamos estar em curso um redirecionamento dos valores, práticas e investimentos subjetivos associados ao consumo de “drogas”. No âmbito deste trabalho, restringiremo-nos a pensar relações de ruptura e continuidade entre estas duas configurações geracionais de juventude, a partir dos seguintes eixos: estetização ou estilização da existência; “horizontalidade” ou “verticalidade” do consumo; “drogas” como bandeira ideológica e rebeldia ou como recurso de diversão e potencialização do bem estar; cultivos subjetivos ligados à problematização da existência ou a uma produção farmacológica de si, que instrumentalizaria as ‘substâncias’ em “combustíveis para a ação”. Afastamo-nos aqui de diagnósticos sombrios que apontam para um vácuo axiológico nas juventudes contemporâneas e sugerimos que o recurso às substâncias constitui arena privilegiada para refletir mais amplamente sobre as transformações subjetivas em curso e a montagem de modelos de cultivo de si pautados pelo consumo como possibilidade de intervenção corporal ativa. Por intermédio do gerenciamento simultâneo de inúmeras frentes de consumo, estes jovens transitam por múltiplas realidades, dotando-as de uma instrumentalidade sempre referida a ocasião e ao contexto. Ou seja, se para as gerações da contracultura o consumo de drogas era acionado como parte de um projeto existencial, para as juventudes contemporâneas tal consumo é um entre vários outros, todos concorrendo para a “asséptica” edificação de um regime permanente de bem-estar. A ocasião, operando como filtro, fornece simultaneamente a pauta do que é definido como bem-estar, assim como do que é preciso consumir a fim de alcançá-lo. A um bem-estar entendido como situacional, portanto, corresponde um cambiante modo de consumir e de significar o consumo.
15) Mauricio Fiore (Mestre em Antropologia Social, USP/CEBRAP/NEIP)
Entraves ao potencial da mídia como veículo do debate público sobre uso de “drogas”
Essa apresentação está ancorada em observações da abordagem midiática sobre o tema “drogas” e busca discutir alguns dos problemas crônicos que, no mais das vezes, têm tornado estéril a veiculação de um debate público sobre a questão. A hipótese é que esses problemas estariam relacionados a uma espécie de dispositivo (no sentido dado por Foucault ao termo) que é incondicionalmente acionado quando alguns temas são objetos de discurso midiático; no caso, esses objetos são as “drogas” e tudo que se relaciona a elas.
16) Mônica Gorgulho – (Psicóloga, Mestre em Psicologia Social/Coordenadora da Dínamo/Diretora da International Harm Reduction Association)
Redução de Danos, uma ampliação do olhar sobre o “fenômeno drogas”
O “Fenômeno Drogas” (produção, comércio e uso de SPAs) tem sido encarado pelas sociedades contemporâneas de forma equivocada. Prova disso é o conjunto de fracassos colecionados pelo Proibicionismo – modelo defendido pelos EUA, que se busca constantemente impor ao resto do mundo. Esta postura, em lugar de diminuir a ocorrência de tal comportamento, tem alimentado um aumento da criminalidade mundial em vários níveis, tem criado uma confusão nas propostas dos sistemas penitenciário e jurídico, além da defesa de uma penalização indiscriminada, pelo rompimento com os compromissos internacionais defendidos na Declaração dos Direitos Humanos. Erroneamente tratado como uma questão simplesmente médica ou legal, o uso de drogas deixa de ser compreendido como um comportamento que envolve também elementos das esferas da economia, da cultura, da comunicação, entre outros.
A Redução de Danos (RD) parece trazer uma contribuição importante no contorno de algumas destas questões. Ao denunciar o fracasso latente na proposta de uma Lei que não pode ser imposta e, portanto, menos ainda, cumprida segundo os moldes apresentados, a RD acena com a necessidade do debate em torno da legalização do uso de qualquer droga, entendendo com isso, uma proposta de regulação e controle do comportamento. Com isso, pretende contribuir para uma melhora da situação geral desta prática que só tem crescido em todo o planeta. Ao defender que não se trata somente de uma questão de doença ou de criminalidade, a RD traz à cena o debate sobre a diferença entre desorganização e outra organização (social, individual, cultural, etc.), quando se discute o uso de drogas. Com isso, pretende envolver toda a sociedade na busca de uma melhor compreensão sobre o uso de SPAs, para, com isso, alcançar um outro patamar no tratamento desta questão.
17) Norberto Guarinello (História-USP)
“O vinho: uma droga mediterrânica”
Durante milênios, o vinho foi um dos componentes fundamentais da vida das
populações às margens do Mediterrâneo (como é ainda hoje). Esta comunicação
procurará traçar a história da invenção e difusão dessa bebida inebriante e
analisar os diferentes contextos sociais de sua produção e consumo nas
cidades-estado da Antiguidade clássica.
18) Rafael Guimarães dos Santos (Biólogo, Mestrando em Psicologia, UnB/NEIP)
A cura religiosa no contexto de um grupo da Barquinha – uma religião ayahuasqueira brasileira
A Barquinha é uma das principais religiões ayahuasqueiras e, no entanto, é a menos estudada. Partindo de uma análise do histórico de um grupo de Barquinha que existiu por algum tempo nos arredores de Brasília-DF, o objetivo deste trabalho é o de descrever os significados e processos de cura neste grupo através de entrevistas abertas, semi-estruturadas e visitas ao local. Os temas abordados foram a cura e o sofrimento, pretendendo-se compreender o significado destas categorias neste contexto religioso particular. Os valores espirituais, morais e as regras sociais do grupo em questão são avaliados em conjunto com o consumo do psicoativo. Os efeitos da ayahuasca, neste contexto, são considerados como um “gatilho” para o processo de cura individual, não sendo considerados como um fim em si.
19) Renato Sztutman (Doutorando em Antropologia, USP)
Festa e embriaguez na Amazônia indígena
Abundam, na literatura etnológica, relatos de festas de bebidas fermentadas – as assim chamadas cauinagens – realizadas pelos mais diversos grupos. Essa comunicação propõe uma interrogação sobre o lugar dessas bebidas e seus efeitos psicofísicos não apenas na ética alimentar de diversos povos indígenas, mas também nos seus modos de pensar a condição humana e as relações com o mundo não-humano. Em suma, pretendo mostrar que a embriaguez não é ali um fato fortuito, mas sim algo revestido de forte simbolismo e também fundamental na realização de certos rituais. Parto, primeiramente, do exemplo dos antigos Tupi da costa – em que embriagar-se era um ato associado à antropofagia – para avançar sobre paisagens etnográficas atuais, onde as tais bebedeiras continuam a se fazer notar.
20) Sandra Lucia Goulart (Doutora em Ciências Sociais pela Unicamp/ NEIP)
“Diferenças mediúnicas no culto do Mestre Daniel”
O presente trabalho aborda o caso do culto religioso conhecido como “Barquinha”, surgido em Rio Branco, Acre, em meados da década de 1940 e que utiliza ritualmente o chá psicoativo ayahuasca, denominado aí de Daime. Num primeiro momento procurarei situar historicamente a organização deste culto, indicando também como alguns elementos da biografia de seu fundador foram importantes na elaboração do ritual e da cosmologia da Barquinha. Num segundo momento, o objetivo é discorrer sobre o desenvolvimento das formas rituais deste culto após o falecimento de seu fundador, quando começam a surgir uma série de novos grupos dissidentes que disputam entre si a posição de legítimos representantes da “tradição” da Barquinha. Pretendo mostrar que há alguns elementos que se destacam nesse processo de disputas. É o caso das variações nos tipos de transes mediúnicos, que são importantes aspectos na construção das fronteiras entre os diferentes grupos da Barquinha. Na verdade, sustentamos que estes elementos diferenciadores (os tipos de transes) acionam as principais crenças do culto da Barquinha.
21) Soninha Francine (Apresentadora de TV e Vereadora do PT)
A lei, o tabu e os fatos
Maioridade penal, venda de armas, cassinos, aborto, pena de morte – inúmeros temas são discutidos à luz da legislação vigente e, em alguns, casos existem até campanhas organizadas pela revisão de determinados pontos. Curiosamente, há posições que podem ser defendidas abertamente, outras não. Ninguém sofre represálias por pedir a liberação oficial dos cassinos no Brasil, mas quem for a favor da descriminalização do aborto corre o risco de ser banido dos programas de TV. Obviamente, é o que acontece em relação à descriminalização/ legalização da maconha: quem se pronuncia a favor de uma mudança da lei pode ser acusado de “apologia ao uso de drogas” (como se esse não fosse o caso, na verdade, dos comerciais de cerveja…). O tema é tabu, e freqüentemente a discussão se baseia em mitos e mentiras, sem levar em conta a mera realidade (como o fato irrefutável de que nem todo usuário é compulsivo ou dependente). Portanto, antes de defender a descriminalização, os debatedores têm de defender o direito de defendê-la – é o que tenho feito.
22) Thiago Rodrigues (Doutorando em Relações Internacionais, PUC/SP; Nu-Sol/PUC; NEIP)
Tráfico, Guerra, Proibição
É bastante usual encontrar referências ao conjunto de violências agenciado pelo tráfico de drogas que o apontam como sinal da suposta “desestruturação” ou “anomia” registrada pelas sociedades contemporâneas. A questão do uso de drogas psicoativas e de seu comércio ilícito é, hoje, um poderoso campo onde impera o consenso proibicionista. As palavras de ordem reprimir, combater, extirpar as drogas escondem mal as intenções que nutrem uma guerra que é declarada em nome da sociedade e para salvá-la de “venenos insuportáveis” e “criminosos vis”. A presente comunicação pretende problematizar a Proibição reparando na eficácia e nas positividades que a declaração universal de guerra às drogas coloca em marcha para sustentar uma guerra de fato dirigida a grupos específicos e que potencializa capacidades de governo doméstica e internacionalmente.
23) Tiago Coutinho Cavalcante (Mestre em Antropologia Social, UFRJ/NEIP)
O uso do corpo nos festivais de música eletrônica
O setting proposto neste estudo é o dos grandes festivais de música eletrônica, as chamadas festas rave. Neste contexto encontramos alguns elementos com forte carga simbólica que resultariam num específico tipo de performance onde a busca de êxtase é considerada o principal objetivo comum. Através do relacionamento de fatores como: estímulos sensoriais, performance e consumo de substâncias psicoativas, os espectadores experimentariam algumas sensações que os induziriam a este estado particular. Entre os signos oferecidos pelos festivais de música eletrônica, encontra-se uma particular manipulação do corpo, principal veículo de comunicação. É onde os signos incidem diretamente e a eficácia simbólica deste rito urbano está baseada. A busca pelo êxtase deve passar necessariamente pelo corpo através de três formas distintas: alterando seu metabolismo através da intoxicação, por movimentos repetitivos e cadenciados, ou ainda através do “jogo de sentidos” que se estabelece.
24) Wladimyr Sena Araújo (Mestre em Antropologia Social pela UNICAMP/ Pofessor da UNINORTE/Consultor da Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Naturais do Acre)
O Uso da “Fina Luz” no Centro Espírita Luz, Amor e Caridade (Terreiro de Mãe Rosa)
O objetivo deste trabalho será o de apresentar o repertório simbólico e ritualístico do Centro Espírita Luz, Amor e Caridade, conhecido também como Terreiro de Mãe Rosa. O mesmo foi fundado no ano de 1967 pelo casal Juarez e Maria Rosa e localiza-se na estrada do Amapá na zona rural da cidade de Rio Branco.
Pretendo mostrar como a utilização do Daime é pensada em três principais momentos do ritual de Obras de Caridade: os trabalhos do interior da igreja, o cruzeiro onde se realizam a doutrinação de almas e o terreiro, onde ocorrem as consultas e a baixada de entidades.
25) Centro de Convivência É de Lei
Painel – mostra permanente – “Redução de Danos como alternativa de Política Pública para usuários de drogas”.
Apresentação das atividades desenvolvidas pelo Centro de Convivência “É de Lei” na perspectiva da Redução de Danos sociais e à saúde associados ao uso de drogas, com ênfase no trabalho realizado pela instituição na “Cracolândia”. Serão apresentados insumos, estratégias e políticas de ação na perspectiva de mudança efetiva das atuais políticas de atenção a usuários de drogas, através da afirmação dos Direitos Humanos e cidadania e pela construção de uma sociedade mais justa e igualitária.